<$BlogRSDUrl$> Meu humor atual - i*Eu

quarta-feira, novembro 19, 2003

Agarra-te ao meu peito em chamas 

Começar por amar a impressão de um só corpo. Mais tarde buscar em vários, muitos, um só corpo já das mãos e dos lábios conhecido.
Depois amar por partes, escolhendo, as mais das vezes, a pequena imperfeição onde o prazer se acende. Tudo isto longe, muito longe, do amor.
É que doem tanto as primeiras paixões que se enfurece justamente. O uqe se encontra é outra coisa, talvez melhor, talvez, mas não o que se tinha mais que tudo preferido. Os dedos a perderem-se nos cabelos, por exemplo. Só isso? A paixão tem de doer, é isso que quer dizer. Tudo isto dura muito tempo porque mesmo assim não se desiste facilmente.
E depois, ao perder a âncora, a paixão faz volteio dentro da cabeça. Então vem a saudade que lhe enche o peito e vive só de sombras e fantasmas com insónia. É de uma fidelidade triste, porque sem motivo. Dorme-se menos por se sonhar demais e é tudo.
Por isso se desespera e se procura sem perder mais tempo, porque já se vai atrasado, aquilo que se perdeu naquilo que em volta há. Pode durar muito tempo e nunca se encontrar. Pode apegar, pegar, apanhar, mas não mais apaixonar. Apaixonar é verbo passado, primitivo. Vai-se de corpo em corpo à procura do mesmo e é sempre outro e diferente e dá tonturas e dá trabalho e e causa dor, não nele, imune, mas nos outros que se deixam embaraçar, abrasar, enganar porque talvez também se queiram enganar.
E chega o tempo de perferir a cara deste, e as mãos desta, e o corpo-tronvo daquele ou tudo junto de repente. É o tempo a analisar minuciosamente, partir, despedaçar, ver por dentro, dar a volta sem pretender sequer voltar a reparar. E pode-se ficar por aqui e pode-se até voltar atrás, mas já não da mesma maneira, porque para voltar atrás só vale a pena se for pior. É o vício a descobrir-se na repetição atraente, irrecusável mesmo, com cenas de ódio pelo meio a intervalar. Tudo isto ainda mais longe do amor, se for possível. O amor sempre mete muito medo.
Mais vale aquela pequena imperfeição onde o desejo se acende e arde e leva consigo o tempo em frente. Amanhã o abismo, mas só amanhã. Como recusar o que vem assim sem se saber porquê? Como cansar o que prefere morrer a sossegar? Para quê afastar o que se dá no presente e enche nem que seja no exacto momento em que se está? Não há resposta e é de propósito que não há. É preciso ficar doente para se curar e quanto mais doente melhor e pior ao mesmo tempo. E pode-se ficar assim ou querer voltar ao começo, so que já não o há, é só a pequena superstição a aliviar a alma brevemente de tanta ilusão que só serve para atrapalhar.
Pode-se ficar frio no corpo e quente na cabeça. OU frio na cabeça a trazer o corpo a escaldar. Pode-ser querer mais do que tudo e perder a cabeça ou deitar o corpo pela janela do sétimo andar. Pode-se demais, é esse o problema. E se todos se portam mal já não vale a pena portarmo-nos mal, não será assim? Pode ser.
E pode-se ficar por aqui ou recuar. Mas não é possível recuar, ou então simplesmente acabar de livre vontade ou por imperiosa necessidade por já não se aguentar. É sempre demasiado tarde para acabar. Não vale a pena acabar.
E depois dá-se o milagre. O que pressupõe que tudo o resto fica tal como está, é como é, imperfeito, insuficiente, as mais das vezes repelente. O milagre acontece ou não e é tudo. Nem é natural que aconteça. É por isso que é milagre.
O amor pode chegar. Mas donde vem? Para onde vai? Quando chega vem para quê, o amor? Grande e inútil milagre este sem resposta e é de propósito que não tem resposta.
Há quem não acredite e está bem assim. E há quem só acredite e ainda é melhor assim. Como em tudo é preciso crer para ver. Mas não é preciso, menos ainda obrigatório, é uma graça que só vem se quiser, quando quiser e pelo tempo que quiser e é o melhor de tudo o que possa acontecer.
E o prazer é a recompensa que acompanha o bom trabalho, entre todos o mais difícil, agora perto, muito perto, o trabalho do amor.

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